Comporta-mentalmente

Por Andréa Andrade

Para iniciar o trabalho, há necessidade de se esclarecer alguns aspectos teóricos sobre o Behaviorismo no que se refere à subjetividade. A posição behaviorista é monista e antimentalista: não há divisão do organismo em mente e corpo. O organismo é considerado como um todo e o Behaviorismo se ocupa de sua interação com o ambiente. Porém, a tradição mentalista em psicologia crê na suposição de que cada indivíduo tem um mundo interior, com o qual cultiva uma relação única, que em certa medida, é incomunicável e determinante de seus comportamentos.
Skinner (1980) não rejeita a existência deste mundo interno ou o modo particular como ele é experimentado por cada um, mas não apenas contraria a tradição mentalista, apontando que tudo que o indivíduo sente é o seu próprio corpo, como também questiona a própria possibilidade de conhecimento privilegiado do que se passa no interior de cada um.
Numa explicação comportamental, o ver, público ou privado, é sempre um comportamento do organismo como um todo e o fato de ser emitido na ausência da coisa vista significa apenas que, uma vez aprendido de forma aberta, pode ser emitido de forma encoberta sem o suporte dos estímulos que estavam presentes durante o processo de aquisição da resposta.
Os eventos privados referem-se tanto a estímulos internos (condição corporal e resposta emocional) como a comportamentos que ocorrem encobertamente (acessíveis diretamente apenas ao próprio indivíduo). Usa-se o termo encoberto para enfatizar que não são acessíveis à observação direta. Em relação aos comportamentos encobertos, Skinner (2004) não os considera como de natureza especial, estando apenas "descrevendo um comportamento em miniatura" (SKINNER, 2004, p. 27).
Skinner (2004, p. 142) afirma ainda que, "a psique, como a mente, é a uma metáfora que se torna plausível pela aparente pertinência daquilo que a pessoa sente ou observa introspectivamente, mas que está destinado a permanecer eternamente nas profundezas. Ao contrário, o meio ambiente é usualmente acessível".
Para Skinner (2004), relações comportamentais são relações do organismo com o ambiente a sua volta. Não cabe, neste modelo analítico, ater-se ao comportamento de partes do organismo, ainda que relacionando-as a eventos ambientais, simplesmente porque se estaria diante de apenas uma parcela do que deve ser explicado por uma ciência do comportamento.
O uso cotidiano do termo sentimento pode envolver tanto a referência a relações comportamentais, quanto a eventos que participam destas relações. "Em certo sentido, o sentimento parece ser tanto a coisa sentida, quanto o ato de senti-la" (SKINNER, 1980, p.255). É freqüente a confusão entre "ato de sentir" e "coisa sentida", quando o sentimento envolve a discriminação de estímulos privados. Neste caso, a coisa sentida é uma condição corporal, produto colateral da história ambiental do indivíduo.
Ressalta-se, contudo, que para o behaviorista radical, a explicação dos comportamentos deve ser sempre encontrada no ambiente externo ao indivíduo. A análise de comportamentos como o ver na ausência da coisa vista, enquanto comportamento encoberto do organismo, exigiu grande esforço interpretativo por parte de Skinner. Ela é necessária, porém, para a própria sustentação do recorte analítico-comportamental como pertinente à investigação de problemas característicos do campo da psicologia, como o pensar, o imaginar, etc. A proposição do comportamento encoberto representa portanto, mais um modo de defender um recorte de análise psicológico/comportamental.
O Estudo de CasoJúlia (nome fictício), 52 anos, procurou a clínica de psicologia com várias queixas: sentia-se triste, deprimida, sem entusiasmo e brigando muito com o marido. É casada há 18 anos e disse que seu marido estava diferente com ela “ele não é mais o mesmo, hoje em dia ele reclama de tudo”. Júlia tem 3 filhos, é dona de casa e responsável por todas as atividades domésticas. Disse não ter estudado porque tinha que cuidar dos filhos e que agora o tempo já havia passado: “estou muito velha”. Ela diz com freqüência a seguinte frase “não sei o que acontece comigo, eu não era assim. Era mais animada”.
Nos atendimentos posteriores ela diz que está cansada de tudo, de sempre fazer a mesma coisa e de que ninguém lhe ajuda. Seu marido não sai com ela mais, fica nos finais de semana em casa bebendo. Eles discutem muito, “quando eu vejo, já estamos discutindo”. Um provoca o outro constantemente, às vezes, como ela mesma diz, “por coisas banais, como o canal de televisão escolhido.” Não há diálogo entre eles.
Ela chora muito durante os atendimentos, diz estar confusa e remete parte da responsabilidade por todos os conflitos enfrentados à menopausa. Segundo ela, esta fase da mulher é complicada e todas suas irmãs passaram por problemas durante a menopausa. “O casamento delas sempre vai por água abaixo depois da menopausa, você sabe né, a gente não tem tanta vontade de namorar mais”. Ela criou para si uma auto-regra.
Quando Júlia diz que não sabe o que está acontecendo com ela, refere-se aos eventos privados. Articulando-se com o Behaviorismo, pode-se inferir que um comportamento, uma vez aprendido de forma aberta, pode ser emitido posteriormente sem a presença de estímulos que originaram a resposta. Júlia diz que está confusa, seu comportamento mudou e que antes ela agia de outra forma. As contingências atuais influenciam seu comportamento: dedicou-se a vida toda à família, seu relacionamento com o marido não é mais o mesmo, eles mal se falam e depois da menopausa “a relação esfriou”.
As contingências ambientais reforçam os seus comportamentos. Ela passa a se esquivar do marido, evitando um contato aversivo. O ambiente familiar não é mais reforçador positivo. Provavelmente, quando ela se queixa de depressão, observa-se que o estímulo antecedente (as mudanças no relacionamento com o marido) provoca sentimentos de tristeza em Júlia. Os sentimentos não são causas do comportamento e sim produtos (conseqüências) das contingências vividas.
Quando Skinner fala que as relações comportamentais são relações do organismo como um todo e com o ambiente a sua volta, pode-se ver claramente que isso ocorre neste caso. A compreensão dos comportamentos deve ser sempre encontrada no ambiente externo do indivíduo. E o ambiente de Júlia explica claramente seu atual comportamento.
Skinner, citado por Nye (2002), diz que nossos pensamentos são influenciados pelo que aprendemos pelas nossas próprias experiências e instruções. As causas mais importantes dos comportamentos são ambientais e apenas confunde as coisas falar sobre ímpetos interiores.
Nye (2002, p. 87) completa “que em cada caso, tanto a resposta emocional interna quanto o comportamento emocional aberto são explicados quando nos referimos aos eventos ambientais”.
Resumindo, uma falta de reforço positivo na família, por exemplo, é a causa de um integrante da mesma se sentir desmotivada e infeliz. Em outras palavras, sentimentos e estados mentais são produtos colaterais, ou acompanhamentos, dos mesmos fatores ambientais que afetam os comportamentos abertos. Uma outra razão do por que estados internos serem tão freqüentemente usados para explicar o comportamento é que as explicações ambientais são muito difíceis de se construir. E justificar-se pelos sentimentos é mais fácil, mas puramente inoportuno.

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