Para iniciar o trabalho, há necessidade de se
esclarecer alguns aspectos teóricos sobre o Behaviorismo no que se refere à
subjetividade. A posição behaviorista é monista e antimentalista: não há
divisão do organismo em mente e corpo. O organismo é considerado como um todo e
o Behaviorismo se ocupa de sua interação com o ambiente. Porém, a tradição
mentalista em psicologia crê na suposição de que cada indivíduo tem um mundo
interior, com o qual cultiva uma relação única, que em certa medida, é
incomunicável e determinante de seus comportamentos.
Skinner (1980) não rejeita a existência deste
mundo interno ou o modo particular como ele é experimentado por cada um, mas
não apenas contraria a tradição mentalista, apontando que tudo que o indivíduo
sente é o seu próprio corpo, como também questiona a própria possibilidade de
conhecimento privilegiado do que se passa no interior de cada um.
Numa
explicação comportamental, o ver, público ou privado, é sempre um comportamento
do organismo como um todo e o fato de ser emitido na ausência da coisa vista
significa apenas que, uma vez aprendido de forma aberta, pode ser emitido de
forma encoberta sem o suporte dos estímulos que estavam presentes durante o
processo de aquisição da resposta.
Os eventos
privados referem-se tanto a estímulos internos (condição corporal e resposta
emocional) como a comportamentos que ocorrem encobertamente (acessíveis
diretamente apenas ao próprio indivíduo). Usa-se o termo encoberto para
enfatizar que não são acessíveis à observação direta. Em relação aos
comportamentos encobertos, Skinner (2004) não os considera como de natureza
especial, estando apenas "descrevendo um comportamento em miniatura"
(SKINNER, 2004, p. 27). Skinner (2004) afirma ainda que,
A
psique, como a mente, é a uma metáfora que se torna plausível pela aparente
pertinência daquilo que a pessoa sente ou observa introspectivamente, mas que
está destinado a permanecer eternamente nas profundezas. Ao contrário, o meio
ambiente é usualmente acessível. (SKINNER, 2004, p. 142)
Para Skinner
(2004), relações comportamentais são relações do organismo com o ambiente a sua
volta. Não cabe, neste modelo analítico, ater-se ao comportamento de partes do
organismo, ainda que relacionando-as a eventos ambientais, simplesmente porque
se estaria diante de apenas uma parcela do que deve ser explicado por uma
ciência do comportamento.
O uso
cotidiano do termo sentimento pode envolver tanto a referência a relações
comportamentais, quanto a eventos que participam destas relações. "Em
certo sentido, o sentimento parece ser tanto a coisa sentida, quanto o ato de
senti-la" (SKINNER, 1980, p.255). É freqüente a confusão entre "ato
de sentir" e "coisa sentida", quando o sentimento envolve a
discriminação de estímulos privados. Neste caso, a coisa sentida é uma condição
corporal, produto colateral da história ambiental do indivíduo.
Ressalta-se,
contudo, que para o behaviorista radical, a explicação dos comportamentos deve
ser sempre encontrada no ambiente externo ao indivíduo. A análise de
comportamentos como o ver na ausência da coisa vista, enquanto comportamento
encoberto do organismo, exigiu grande esforço interpretativo por parte de
Skinner. Ela é necessária, porém, para a própria sustentação do recorte
analítico-comportamental como pertinente à investigação de problemas característicos
do campo da psicologia, como o pensar, o imaginar, etc. A proposição do
comportamento encoberto representa portanto, mais um modo de defender um
recorte de análise psicológico/comportamental.
O Estudo de Caso
Júlia
(nome fictício), 52 anos, procurou a clínica de psicologia com várias queixas:
sentia-se triste, deprimida, sem entusiasmo e brigando muito com o marido. É
casada há 18 anos e disse que seu marido estava diferente com ela “ele não é
mais o mesmo, hoje em dia ele reclama de tudo”. Júlia tem 3 filhos, é dona de
casa e responsável por todas as atividades domésticas. Disse não ter estudado
porque tinha que cuidar dos filhos e que agora o tempo já havia passado: “estou
muito velha”. Ela diz com freqüência a seguinte frase “não sei o que acontece
comigo, eu não era assim. Era mais animada”.
Nos
atendimentos posteriores ela diz que está cansada de tudo, de sempre fazer a
mesma coisa e de que ninguém lhe ajuda. Seu marido não sai com ela mais, fica
nos finais de semana em casa bebendo. Eles discutem muito, “quando eu vejo, já
estamos discutindo”. Um provoca o outro constantemente, às vezes, como ela
mesma diz, “por coisas banais, como o canal de televisão escolhido.” Não há
diálogo entre eles.
Ela
chora muito durante os atendimentos, diz estar confusa e remete parte da
responsabilidade por todos os conflitos enfrentados à menopausa. Segundo ela,
esta fase da mulher é complicada e todas suas irmãs passaram por problemas
durante a menopausa. “O casamento delas sempre vai por água abaixo depois da menopausa,
você sabe né, a gente não tem tanta vontade de namorar mais”. Ela criou para si
uma auto-regra.
Quando
Júlia diz que não sabe o que está acontecendo com ela, refere-se aos eventos
privados. Articulando-se com o Behaviorismo, pode-se inferir que um
comportamento, uma vez aprendido de forma aberta, pode ser emitido
posteriormente sem a presença de estímulos que originaram a resposta. Júlia diz
que está confusa, seu comportamento mudou e que antes ela agia de outra forma.
As contingências atuais influenciam seu comportamento: dedicou-se a vida toda à
família, seu relacionamento com o marido não é mais o mesmo, eles mal se falam
e depois da menopausa “a relação esfriou”.
As
contingências ambientais reforçam os seus comportamentos. Ela passa a se
esquivar do marido, evitando um contato aversivo. O ambiente familiar não é
mais reforçador positivo. Provavelmente, quando ela se queixa de depressão,
observa-se que o estímulo antecedente (as mudanças no relacionamento com o
marido) provoca sentimentos de tristeza em Júlia. Os sentimentos não são causas do
comportamento e sim produtos (conseqüências) das contingências vividas.
Quando
Skinner fala que as relações comportamentais são relações do organismo como um
todo e com o ambiente a sua volta, pode-se ver claramente que isso ocorre neste
caso. A compreensão dos comportamentos deve ser sempre encontrada no ambiente
externo do indivíduo. E o ambiente de Júlia explica claramente seu atual
comportamento.
Skinner,
citado por Nye (2002), diz que nossos pensamentos são influenciados pelo que
aprendemos pelas nossas próprias experiências e instruções. As causas mais importantes dos comportamentos
são ambientais e apenas confunde as coisas falar sobre ímpetos interiores. Nye
(2002, p. 87) completa “que em cada caso, tanto a resposta emocional interna
quanto o comportamento emocional aberto são explicados quando nos referimos aos
eventos ambientais”.
Resumindo,
uma falta de reforço positivo na família, por exemplo, é a causa de um
integrante da mesma se sentir desmotivada e infeliz. Em outras palavras,
sentimentos e estados mentais são produtos colaterais, ou acompanhamentos, dos
mesmos fatores ambientais que afetam os comportamentos abertos. Uma outra razão
do por que estados internos serem tão freqüentemente usados para explicar o
comportamento é que as explicações ambientais são muito difíceis de se
construir. E justificar-se pelos sentimentos é mais fácil, mas puramente
inoportuno.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
NYE, Robert D. Três psicologias: idéias de Freud, Skinner e Rogers. Tradução de
Robert Brian Taylor. São Paulo: Pioneira, 2002.
SKINNER, B. F. Contingências do reforço.
SKINNER, B. F. Sobre o behaviorismo. Tradução de Maria da Penha Villalobos. São Paulo: Cultrix,
Autora: Andréa Andrade
2004.
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