A mente e a liberdade para Skinner

Skinner, o principal psicólogo da corrente behaviorista, é um cientista pouco lido e raramente compreendido. Suas idéias são muito complexas e enfatizam a necessidade de explicar qualquer comportamento, por mais simples que pareça, como resultado da combinação de muitas causas. Os métodos da Análise do Comportamento foram propostos por Skinner para destrinçar estas múltiplas causas e mostrar como elas se combinam para determinar a conduta. Skinner escreveu um livro, "Sobre o Behaviorismo", procurando mostrar que são falsas as afirmações mais difundidas a respeito do seu pensamento, como por exemplo, as seguintes: 1)ele ignora a consciência e os estados mentais;

2)formula o comportamento simplesmente como um conjunto de respostas a estímulos, representando assim a pessoa como um autômato, robô, boneco ou máquina;

3)não dá lugar para intenção ou propósito.

O maior e mais persistente destes erros é considerar que Skinner é um dos teóricos que representam a conduta como uma sucessão de estímulos e respostas. De fato, ele foi o primeiro psicólogo experimental a demonstrar que, mesmos os animais, a maior parte dos comportamentos não são uma reação a estímulos do ambiente. Skinner deu o nome de "operantes" a estes comportamentos, chamando a atenção para o fato de que eles operam sobre o meio. Esta rejeição da teoria do estímulo e resposta está clara na frase que abre o seu livro "O Comportamento Verbal": "Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez são modificados pelas conseqüências de sua ação". Aqui fica delineada uma relação de importância fundamental para o estudo do comportamento: a relação entre o comportamento e os efeitos que este comportamento produz sobre o ambiente. Esta relação estabelece os efeitos ou conseqüências do comportamento presente como parte das causas do comportamento futuro. Portanto, a vida do indivíduo envolve uma história de relações do seu comportamento com o ambiente; para entender o comportamento é necessário retroagir à história do indivíduo, às relações entre comportamento e conseqüências ocorridas no seu passado. O comportamento é resultado da história individual, combinada com a herança genética.

Toda a teoria de Skinner está baseada na noção de que o comportamento de um indivíduo é afetado pelas conseqüências que comportamentos similares tiveram no passado. Skinner distingue dois tipos de conseqüências do comportamento. Os reforços fazem com que comportamentos similares ocorram com mais freqüência no futuro (este processo é denominado condicionamento operante). Já as punições podem fazer com que comportamentos similares diminuam no futuro.

Porém, Skinner sempre chamou a atenção para o fato de que a redução de comportamentos através de punições é ineficaz e costuma trazer graves subprodutos psicológicos. Com base nisto, ele desaconselha enfaticamente o uso de punições na educação ou em qualquer outro campo das atividades humanas.

Skinner mostrou, por exemplo, como os efeitos do reforço são drasticamente modificados pelo contexto e pelo "tempo" de apresentação do reforço, ou, mais precisamente, pelo esquema de reforço. A análise de casos concretos, sem considerar estas e outras complexidades da história individual, pode resultar apenas em generalizações simplistas.

Vamos nos referir a um tipo concreto de comportamento, a fala, para dar uma idéia da complexidade da análise e também para introduzir um dos pontos mais controvertidos das teorias de Skinner. Aplicando as noções de reforço e punição poderíamos imaginar, por exemplo, que um indivíduo que fala muito pode ter tido o seu comportamento de falar bastante reforçado no passado; por outro lado, um indivíduo que fala pouco e mostra-se constantemente reservado, taciturno e introvertido, pode ter sido pouco reforçado e/ou frequentemente punido por seu comportamento de falar. Os métodos de análise desenvolvidos por Skinner mostram que raramente as coisas ocorrem de modo tão simples e linear. Por exemplo, reforços ou punições específicas podem fazer com que o indivíduo fale mais na presença de determinadas pessoas e menos na presença de outras; ele pode falar mais sobre certos assuntos e menos sobre outros. Além dos reforços e punições de sua história passada, a fala do indivíduo pode ser afetada pelas suas emoções, motivações, fadiga ou efeito de certas drogas, etc. Para uma análise mais acurada, referir-se simplesmente ao comportamento de falar é muito genérico: é preciso distinguir os diferentes aspectos da fala de uma pessoa, onde podem ser encontrados vários tipos de comportamentos operantes. Há os comportamentos de fazer pedidos, dar ordens, fazer perguntas, descrever diferentes tipos de coisas, ações ou situações etc. E cada um destes tipos de comportamento pode ocorrer nos mais variados contextos, sendo diferencialmente afetado por reforços e punições, além dos demais fatores já mencionados, como emoções, motivações, etc.

Utilizamos o exemplo da fala, para mencionar a grande polêmica a respeito da aplicação das idéias de Skinner à linguagem. Vários lingüistas têm argumentado que os processos de condicionamento operante não podem explicar a estrutura da linguagem humana, e nem a capacidade que um ser humano tem de falar e entender frases que nunca tenha falado ou ouvido antes. Os psicólogos influenciados por Skinner consideram, no entanto, que também na questão da linguagem, como em muitos outros domínios do comportamento humano, há evidências científicas suficientes de que o comportamento presente de um indivíduo é afetado pelas conseqüências de seu comportamento passado.

Skinner observou que a linguagem pode exercer um controle direto sobre a ação, modificando os efeitos do condicionamento operante. Ele distingue entre o comportamento moldado pelas contingências (a conduta, que é efeito direto e muitas vezes inconsciente dos reforços e punições do passado) e o comportamento governado por regras. As regras podem ser, na verdade, fórmulas, instruções, conselhos, ordens, máximas, etc. Uma pessoa pode receber instruções ou regras formuladas por outros, assim como ela pode, observando seu próprio comportamento e o mundo a seu redor, formular regras para si mesma e através delas dirigir seu comportamento. As regras podem suplantar o efeito direto do condicionamento operante, mas ainda aí cabe à Análise do Comportamento identificar o que faz com que um indivíduo esteja mais ou menos inclinado a seguir regras ou instruções.

Skinner introduziu a noção de comportamento governado por regras em seu livro "Contingências de Reforço", utilizando-a para analisar os processos de pensamento e solução de problemas. Em outra ocasião ele reafirmou que a Análise do Comportamento "... não rejeita qualquer destes processos mentais superiores; ela tomou a liderança na investigação das contingências sob as quais eles ocorrem. O que ela rejeita é a suposição de que atividades comparáveis têm lugar em um mundo misterioso da mente" ("Sobre o Behaviorismo")

Em lugar deste mundo misterioso da mente, Skinner fala, em "Sobre o Behaviorismo", do "mundo por debaixo da pele". Ele refere-se à parte do ambiente que está dentro do corpo de cada indivíduo: a pessoa fala para si mesma e executa outros movimentos de seus músculos em escala tão reduzida que não podem ser percebidos por um observador externo. Ela sente dores e as condições de tensão e relaxamento de seus músculos, etc. Só a própria pessoa pode observar ou sentir o que se passa no seu mundo privado. Skinner sustenta que a Psicologia não pode ignorar estes processos só porque eles não podem ser publicamente observados.

Como o indivíduo pode obter consciência do seu mundo privado, e também do seu comportamento e das condições que o determinam? Skinner sustenta que para isso é necessária a mediação da comunidade, que estabelece as contingências de reforço para os comportamentos de autobservação e autodescrição. Como a Análise do Comportamento possibilita um conhecimento das contingências de reforço mais eficazes, Skinner afirma que ela pode ajudar na construção de uma autoconsciência: "Uma ciência do comportamento não ignora, como se diz frequentemente, a consciência. Pelo contrário, ela vai muito além das psicologias mentalistas ao analisar o comportamento autodescritivo. Ela tem sugerido maneiras melhores para ensinar o autoconhecimento e também o autocontrole, que depende do autoconhecimento" ("Contingências do Reforço").

Subjacente à teoria behaviorista está a idéia de que todo o comportamento humano é determinado, sendo portanto controlado por causas específicas. Ao afirmar as implicações desta causalidade, Skinner é visto como um defensor do controle do comportamento e um inimigo da liberdade humana. Suas idéias podem, no entanto, ser vistas de uma maneira mais positiva: o homem não pode mudar a natureza e não pode impedir que o ambiente exerça algum tipo de controle sobre seu comportamento. Se ele recusar-se a conhecer os processos que controlam seu comportamento, será sempre uma presa inconsciente das "agências controladoras". Conhecendo os determinantes do comportamento, o homem estaria mais capacitado a assumir o controle do próprio destino.


Júlio César Coelho de Rose








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