Na compilação de estudos sobre as relações entre
cultura e cognição e sobre a prática dos psicólogos do Brasil no cenário
escolar, observa-se um descompasso. As idéias que ampliaram nossos
conhecimentos a respeito da cognição humana não são compartilhadas em um dos
contextos mais férteis para sua discussão — a escola — e cujo objetivo,
supostamente, seria a promoção de desenvolvimento e aprendizagem. As
investigações e atuações junto à Educação confirmam o desconhecimento e até a
deturpação de idéias centrais sobre a construção do conhecimento, especialmente
entre os psicólogos inseridos neste contexto, profissionais que deveriam atuar
como mediadores entre tais conhecimentos e a Educação.
Correia (1997; Correia, Oliveira & Andrade,
1998) verificou, por exemplo, que as escolas, tanto particulares quanto
públicas, investem em capacitações de professores, mas os psicólogos só são
apontados timidamente como responsáveis por estas. Em contrapartida, são citados,
com considerável ênfase, quando os entrevistados são colocados numa situação de
encaminhar o aluno para um profissional fora da escola. Neste sentido,
parece que o psicólogo escolar está tornando-se invisível na escola, tanto para
atuar com problemas emocionais, de acordo com uma antiga visão, como — continua
esquecido — para atuar com a construção do conhecimento ou processos
cognitivos.
A Psicologia Escolar ainda se caracteriza,
predominantemente, por uma atuação centrada basicamente naquele aluno apontado
como “problemático”, ou seja, aquele que “não pára quieto”, que “não aprende”,
que é “agressivo” e que atrapalha a transmissão do conteúdo ou o
cumprimento do programa na sala de aula. E na história da sua inserção no
contexto escolar, discutida por Correia e Campos (2000) e resumida aqui,
encontramos várias posturas, como o modelo médico de atuação, o modelo do engenheiro
humano, ou seja, modificador de comportamentos, até aqueles, como diz
Patto (1984), em níveis mais sofisticados, que fazem terapia na escola ou lidam
com outros personagens além do aluno.
Moreira (1994) traz uma questão interessante
referente à relação do fracasso escolar com a atuação do psicólogo: “… como
explicá-lo sem ferir os meandros da estrutura escolar? É este o pedido
endereçado à Psicologia” (p.6). A qual, infelizmente, tem procurado atender a
este pedido, focalizando no indivíduo todas as “culpas” de seu fracasso e do
caótico sistema escolar. Assim, a freqüência dos psicólogos escolares no
cenário educacional é bastante diversificada, fundamentada por teorias que
indicam que devemos desde aplicar testes até trabalhar especificamente com
professores, embora a ênfase geralmente esteja no indivíduo. Entretanto, o que
se verifica é uma atuação alheia a toda uma conjuntura, na forma de um trabalho
eminentemente clínico nas escolas. Em outras palavras, a figura de marketing
ou decorativa tem sido a posição cumprida por muitos dos psicólogos nas
escolas, uma vez que geralmente não sabem qual a sua função nesta instituição
(Correia & Campos, 2000). Há vários fatores (história, pluralidade teórica,
formação, legislação) que contribuem para uma atuação insatisfatória, em
conseqüência dos quais ainda podemos caracterizar a Psicologia Escolar pelas
controvérsias, pouca objetividade, indefinição e insegurança com relação à
atuação: o quê produzir neste cenário?
Muitos autores compartilham da idéia de que o
principal objetivo do psicólogo escolar deveria ser aumentar a qualidade e
eficiência do processo ensino-aprendizagem. Mas, geralmente, não há consenso ou
clareza quando a questão é “como” intervir neste processo. A literatura cita
inúmeras funções que o psicólogo poderia assumir na instituição escolar e ao
mesmo tempo reivindica um único caminho. No entanto, não podem existir
delimitações, uma vez que deveria ser essencialmente contextualizada, ou seja,
partir das necessidades e prioridades emergentes em cada escola. Esta
característica impede que tenhamos algo como uma lista de procedimentos padrões
para a atuação do psicólogo escolar. Ele deverá primeiramente questionar quais
são os setores que estão requerendo intervenções e quais destas são as
prioritárias, sempre tendo em vista a eficiência do processo
ensino-aprendizagem.
Correia e Campos (2000) propõem, então, uma
atuação mais objetiva e completa, representada por um esquema sobre o que,
efetivamente, o psicólogo poderia fazer na instituição escolar. Tal esquema
resume as principais diretrizes para esta atuação.
Ao ingressar em uma escola, o psicólogo deverá
iniciar a sua atuação pela “análise da instituição”. Essa análise envolverá
todos os setores e indivíduos que compõem a escola, bem como as suas
inter-relações, e tem por objetivo observar as relações, levantar
evidências sobre qual a referência teórica que fundamenta a postura e a ação
dos professores e dos seus dirigentes, a coerência entre o discurso e a prática
dos seus componentes; o que por sua vez também reflete o nível de conhecimento.
Em suma, o psicólogo estará preocupado em “verificar os aspectos da escola”,
independentemente das queixas iniciais que geralmente tendem a focalizar os
problemas no aluno.
Concluída aquela fase, haverá elementos que
correlacionados irão auxiliar na análise sobre a “eficiência e qualidade do
processo educacional” desenvolvido. A partir daí, começará a sugerir mudanças
avaliadas como necessárias. Para tanto, o psicólogo apresentará uma outra
característica fundamental da sua atuação: o “trabalho em equipe”.
Posteriormente aparecem as atividades denominadas “periféricas”, que partem ou
derivam das estruturais, com características e cuidados específicos (consultor,
orientador, professor, atendimento individualizado ao aluno – abordado
à luz da escola como um todo – aconselhamento vocacional, seleção de pessoal e
desenvolvimento organizacional). Por último, é citada a atividade de pesquisa
na escola, embora ela esteja relacionada a todos os aspectos levantados
anteriormente, essencialmente àqueles que se denominam estruturais, uma vez que
envolvem coleta e análise de dados.
Assim são enfatizados três pontos como sendo os
mais relevantes para a prática do psicólogo no contexto educacional: 1) iniciar
a ação pela análise da instituição, visto que cada escola é específica e
apresentará prioridades também específicas; 2) não esquecer que o processo
ensino-aprendizagem é dinâmico, em constante transformação; logo, não dispõe de
procedimentos rígidos; 3) ter sempre em mente que o processo educacional
apresenta-se como multidimensional, requisitando trabalho “em equipe”.
As análises realizadas em escolas públicas ou
particulares, baseadas nesta estrutura, (Correia, Lima & Campos, 1999)
geralmente têm apontado como prioritária a necessidade de fundamentação teórica
entre os profissionais da Educação. O psicólogo escolar tem aparecido como
necessário, principalmente, para mediar conhecimentos, aproximando daquele
cenário as contribuições da Psicologia. Mas, em boa parte dos casos, os que
estão na escola não têm se mostrado bons parceiros para esta mediação, sequer
reconhecem tal necessidade.
Há um dado, comum às situações de transição,
encontrado no cenário escolar: “ouve-se o galo cantar, mas não se sabe onde”.
Em outras palavras, há uma necessidade de o psicólogo se inserir na escola como
um personagem que retorna e instiga o retorno às contribuições da Psicologia,
pois naquele cenário as idéias estão soltas, desarticuladas e precisam ser
retomadas desde as considerações mais primárias ou elementares. Porque sem
estas, todas as outras se tornam inócuas, gera-se um círculo de atividades no
qual nenhuma mudança pode ser efetiva. Uma forma de iniciar, por exemplo, é
pela reflexão das origens e influências (das correntes filosóficas empirista,
inatista e interacionista) das abordagens do processo, uma vez que concebem a
construção ou aquisição do conhecimento pelo homem de maneiras distintas e até
contraditórias e, portanto, delegam papéis diferentes, em cada uma, a
professores e a alunos.
Como a fundamentação teórica ou o conhecimento
das contribuições da Psicologia Comportamental tem sido um dos “vácuos” mais
encontrados no contexto escolar, e caracteriza-se como um dos pilares desta
proposta de atuação, decidimos abordar pontos importantes, portanto idéias
férteis que precisam ser aprofundadas, discutidas sistematicamente e
relacionadas ao cotidiano escolar. Estas idéias servem como ponto de partida e,
ao mesmo tempo, denunciam o quão distante se está destas contribuições. Sem
poderem servir, como sabemos, quais manuais de primeiros socorros, com imediata
utilização ou aplicação.
Atualmente, nossas mais fortes contribuições
originam-se das teorias de Piaget e de Vygotsky. Tais estudiosos têm-se
revelado pilares da nossa compreensão sobre “como o ser humano aprende” e
fundamentam grande parte dos projetos educacionais contemporâneos.
Por Giselli Rossi
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