Por B. F. Skinner
O grande triunvirato de Freud - o
id, o ego e o superego - representa três conjuntos de contingências que são
quase inevitáveis quando uma pessoa vive em um grupo. O id é "a natureza
não regenerada do homem - o "velho Adão" judaico-cristão - derivada
de suas suscetibilidades inatas ao reforço, a maioria das quais quase
necessariamente em conflito com os interesses de outros. O superego - a
consciência judaico-cristã - consiste na "pequena voz silenciosa" de
um agente (comumente) punitivo que representa os interesses de outras pessoas.
Ele é definido pelo Terceiro Dicionário
Internacional de Webster como "um grande setor do psíquico que
permanece inconsciente e parcialmente consciente, que se desenvolve a partir do
ego através da internalização ou introjeção em resposta a conselhos, ameaças,
avisos, e punição, especialmente pelos pais mas também por professores e outras
autoridades. Ele reflete a consciência familiar e as regras da sociedade,
servindo como uma ajuda na formação do caráter e como um protetor para o ego
contra os irresistíveis impulsos do id".
Mas é "um grande setor do
psíquico" apenas no sentido de "uma grande parte do comportamento
humano", e é marcadamente inconsciente somente porque a comunidade verbal
não ensina as pessoas a observarem ou a descreverem isso. É principalmente o
produto das práticas punitivas de uma sociedade que tenta suprimir o
comportamento egoísta gerado pelos reforçadores biológicos, e pode tomar a
forma de uma sociedade imitadora ("servindo como vigário da
sociedade") como as injunções dos pais, professores e outros se tornam
parte desse repertório. O ego é o produto das contingências práticas da vida
cotidiana que necessariamente envolvem suscetibilidades ao reforço e às
contingências punitivas organizadas por outras pessoas, mas mostrando o
comportamento formado e sustentado por um ambiente comum. Considera-se
que isso satisfaz o id se atinge uma certa quantidade de reforço biológico, e o
superego faz isso sem arriscar demais a punição. Não precisamos dizer que essas
três personalidades arquétipos são os atores de um drama interior. O ator é o
organismo, que se tornou uma pessoa com repertórios diferentes, possivelmente
conflitantes, como o resultado de contingência diferentes, possivelmente
conflitantes.
A análise de Freud parece
convincente por causa de sua universalidade, mas são as contingências
ambientais e não o psíquico as invariantes. Os conflitos entre o superego e o
id, que o ego tão freqüentemente falha em resolver, mostram certos padrões
familiares. Em algumas culturas o fato de que uma pessoa ama a sua mãe e vê o
seu pai como um rival é quase uma característica do ser humano do sexo
masculino enquanto a anatomia que define o seu sexo, mas uma universalidade
comparável é considerada como encontrada entre as contingências sociais de
reforço sustentadas por tipos de famílias em tais culturas. Os padrões arquétipos
de Jung e o inconsciente coletivo podem ser vistos ou na evolução da espécie ou
na evolução das práticas culturais. "A surpreendente semelhança do
inconsciente reprimido através de todas as eras e civilizações conhecidas"
é a semelhança das coisas que reforçam as pessoas e dos comportamentos que
provam ser injuriosos a outros. Os aspectos universais, considerados como
característicos de todas as linguagens, são o resultado de características
universais das comunidades lingüísticas que surgem do papel desempenhado pela
linguagem na vida cotidiana.
A vida da mente parece requerer e
consumir energia psíquica. Esta é simplesmente uma outra maneira de representar a probabilidade do
comportamento derivado de contingências de sobrevivência ou de reforço. O
instinto é "a soma de energia psíquica que imprime direção aos processos
psicológicos", no sentido de que suscetibilidades inatas ao reforço não
apenas fortalecem o comportamento mas também dão a ele direção, formando e
sustentando a sua topografia. As suscetibilidades devem ser vistas como
enraizadas no seu valor de sobrevivência na evolução da espécie. Alguns programas
de reforço criam "armazéns de energia". Outros lidam com a sua
ausência em abulia ou depressão. As "grandes forças positivas" que se
supõem "residirem em nossas profundezas" são meramente as grandes
coisas que podemos fazer, dadas as circunstâncias favoráveis.
A palavra "profundeza",
comum na psicanálise, freqüentemente faz a sugestão desavisada de que uma
análise é profunda, mas também pode ser tomada como se referindo a certos
aspectos espaciais da mente. O psicólogo do sec. XIX tratava a consciência como
o lugar no qual as sensações poderiam ser observadas, mas os espaços ocupados
pelo ego, superego, e o id são mais complexos. A mente tem diferentes partes
inferidas de diferentes tipos de comportamento. 'Estar dividido sobre alguma
coisa' é ter diferentes coisas a fazer sobre ela. O termo
"esquizofrenia" originariamente queria dizer "mente
dividida" e ainda é mal usado nesse sentido. 'Estar além de minhas forças'
significa, por enquanto, ser duas pessoas. Diferentes tipos de comportamento
são considerados como se situando em diferentes compartimentos da mente.
"Em muitos seres humanos há um depositário de violência, mas o cérebro
lança uma barreira, uma cerca, para mantê-lo sob vigilância. Secobarbitais
podem derrubar essa cerca mental e permitir que a violência seja
extravasada" (uma outra mistura interessante entre matéria e mente). A
música, para um estadista conhecido, é "uma saída para a emoção
passional", como se "a ópera subitamente aparecesse em sua vida política, colocando por terra os
intactos compartimentos da emoção e da razão".
A mais conhecida divisão da mente
é aquela entre consciente e inconsciente; desejos e medos reprimidos residem no
inconsciente, mas eles podem surgir de repente na mente consciente.
Freqüentemente se diz, particularmente por psicanalistas, que o behaviorismo
não pode lidar com o inconsciente. O fato, porém, é que, desde o início, ele
não lida com nada mais. As relações controladoras entre o comportamento e as
variáveis genéticas e ambientais são todas inconscientes na medida em que não
são observadas, e foi Freud que enfatizou que elas não precisavam ser
observadas (ou seja, tornadas conscientes) para serem eficazes. É necessário um
ambiente verbal especial para impor consciência sobre o behaviorismo induzindo
uma pessoa a responder a seu próprio corpo enquanto ele está se comportando. Se
a consciência parece ter um efeito causal, é o efeito do ambiente especial que
induz a auto-observação.
Para aumentar a consciência do
mundo exterior de uma pessoa basta submetê-lo a um controle mais sensitivo
desse mundo enquanto uma fonte de estimulação. Marx e outros tentaram
"levar as pessoas a um nível mais alto de consciência", submetendo-as
ao controle de aspectos de seu ambiente que foram previamente ineficazes. As
drogas que alteram o controle são às vezes consideradas como expandindo a
consciência.
O que o behaviorismo rejeita é o
inconsciente como um agente e, é claro, ele rejeita a mente consciente como um
agente também. Uma biografia de Maomé afirma que "é óbvio a não muçulmanos
que as palavras que Maomé ouviu... foram ditadas por ele pelo seu
inconsciente... a voz de Alá era de fato a voz do inconsciente de Maomé".
Mas se houve alguém que falou, esse alguém foi o próprio Maomé, mesmo se ele
não observou a si mesmo fazendo isso. Foi Maomé enquanto pessoa, com uma história responsável pelo
fato de ser Maomé, e não algum outro agente interno fragmentário, a quem
devemos nos voltar para explicar o comportamento.
Diz-se frequentemente que há uma
vida intrapsíquica da mente, totalmente independente do mundo físico, na qual
memórias evocam memórias, idéias sugerem idéias, e assim por diante. Aqui há
alguns exemplos da vida intrapsíquica de motivação e emoção: sentimento de
frustração produz uma sensação de impotência que, por sua vez, leva à apatia ou
a sentimentos de agressão. O ressentimento em relação à autoridade
transforma-se em um impulso assassino reprimido, que mascara o desejo de se
render. A fé enfraquecida no futuro leva à ansiedade e à depressão, que
interrompe os processos de pensamento. O impulso de se conformar impede uma
pessoa de conhecer os seus próprios medos, ódios, ou o sentido de desesperança.
Mas se nos voltarmos aos fatos
sobre os quais essas expressões se baseiam, é comumente possível identificar as
contingências do reforço que são responsáveis pelas atividades intrapsíquicas.
Entre os fatos relevantes se encontram: a frustração é gerada pela extinção,
que é também freqüentemente responsável pelo comportamento agressivo. As
medidas de controle usadas por uma autoridade tornam mais prováveis que uma
pessoa escape ou contra-ataque, e as condições relevantes podem ser sentidas
como ressentimento; ao mesmo tempo, as medidas podem gerar comportamento
complacente, razão pela qual as autoridades as usam. As condições corporais
associadas à complacência não podem ser sentidas se as condições associadas à
fuga ou contra-ataque forem fortes.
A vida no mundo interior da
emoção e da motivação é dramaticamente ilustrada pelos dinamismos freudianos, ou os mecanismos de defesa. Eles
têm sido definidos como "reações de personalidade por meio dos quais um
indivíduo tenta satisfazer as suas necessidades emocionais; e.g., estabelecer
harmonia entre forças conflitantes; reduzir sentimentos de ansiedade ou culpa
que surgem de desejos, pensamentos e emoções que não são aceitáveis".
Definições alternativas podem ser derivadas das contingências responsáveis pelo
comportamento do qual os dinamismos são inferidos. Eu considerarei três
exemplos, usando definições do Terceiro
Dicionário Internacional de Webster.
Repressão: um processo ou mecanismo de defesa do ego por meio do
qual desejos ou impulsos que são incapazes de realização são mantidos intactos
ou tornados inacessíveis à consciência". Por "desejos ou
impulsos" entenda-se "probabilidade de comportamento"; por
"incapaz de realização" entenda-se "extinto ou punido"; e
por "mantido intacto ou tornado inacessível à consciência" entenda-se
"não observado introspectivamente"... Temos então o seguinte: o
comportamento que é punido torna-se aversivo, e por não adotá-lo ou não
"vê-lo", uma pessoa evita a estimulação aversiva condicionada. Há
sentimentos associados a isso, mas os fatos são responsáveis pelas
contingências.
A palavra "repressão" é
parte de uma metáfora elaborada que oferece um caráter dinâmico ao efeito da
punição. Quando sentimentos não podem ser expressos, diz-se que surge uma
pressão, até que uma explosão ocorre. Um jornal afirma que "a coisa
assustadora sobre as pessoas quietas como Bremer e Sirhan e Oswald é que deve
haver milhões deles nos Estados Unidos segurando a sua raiva dentro de si até
que - na ausência de uma válvula de escape que muitos indivíduos possuem - eles
explodem". Mas o que acontece quando uma pessoa "segura a sua raiva
dentro de si", e o que é essa "válvula de escape" através da
qual a maioria das pessoas deixar o vapor emocional sair? As respostas devem
ser encontradas nas condições sob as quais o
comportamento se torna muito forte porque ele não pode ser emitido.
Estamos frequentemente a par de
uma forte tendência a fazer ou dizer algo, embora uma ocasião esteja faltando;
podemos estar "repletos de boas notícias" mas não ter ninguém a quem
contá-las. Mais freqüentemente, porém, não respondemos porque fomos punidos;
"reprimimos nossa raiva" porque fomos punidos para
"expressá-la". Se algo como uma explosão acontece subitamente, é
porque a situação muda. Encontramos alguém com quem conversar e "trocar
idéias longamente", ou nosso comportamento se torna mais forte do que os
comportamentos incompatíveis que previamente o deslocaram. Se uma explosão tem
conseqüências inesperadas por outros, medidas apropriadas podem ser tomadas
para impedi-lo. A "pressão pode ser deduzida" fornecendo-se um
ambiente no qual o comportamento pode ser emitido livremente ou "os
impulsos podem ser dirigidos a saídas mais úteis". "Armas de
brinquedo", diz um psiquiatra, "permitem às crianças trabalharem os
seus conflitos e ventilar alguns impulsos agressivos". Devemos, ao invés
disso, dizer que eles permitem às crianças se comportarem agressivamente sem a
ameaça da punição.
Conversão: "a transformação de um conflito inconsciente em um
sintoma somático simbolicamente equivalente". Uma das manifestações mais
dramáticas do suposto poder da vida mental é a produção de doença física. Como
uma idéia na mente é considerada como movendo os músculos que a expressam,
assim também atividades não somáticas no psíquico são consideradas como
afetando a SOMA. Por exemplo, úlceras são consideradas como sendo produzidas
por uma "raiva dirigida a si mesmo". Devemos, ao invés disso, dizer
que a condição sentida como raiva é medicamente relacionada à úlcera, e que a
situação social complexa causa a ambos. Similarmente, quando se considera que o
ato falho se deve possivelmente ao ódio inconsciente da criança
ou do pai, podemos dizer, ao invés disso, que a condição sentida como raiva é
medicamente relacionada à falha, e que deve ser atribuída, por sua vez, a uma
situação social complexa. A úlcera e o ato falho são "simbolicamente
equivalentes" à raiva na medida em que estão associadas a uma grande
probabilidade de causar dano. A conversão não demonstra que a mente atua sobre
a matéria; o psíquico não muda o físico. As condições físicas, muitas das quais
relevantes ao comportamento e sentidas de vários modos, têm efeitos físicos
(médicos).
Sublimação: "descarga de energia instintiva especialmente
aquela associada a impulsos pré-genitais através de atividades socialmente
aprovadas". Por "descarga de energia através de atividades"
entenda-se "comportamento", e por "instintivo" e
"associado a impulsos pré-genitais" entenda-se "devido a certos
reforçadores biológicos". Se duas formas de comportamento são ambas reforçadas
e se somente uma delas é punida, a outra é mais provável de ocorrer.
Os outros dinamismos freudianos
ou mecanismos de defesa podem ser tratados da mesma forma. Eles não são
processos psíquicos que acontecem nas profundezas da mente, consciente ou
inconsciente; eles são os efeitos de contingência de reforço, quase sempre
envolvendo punição. Quando muito, podemos dizer que eles são maneiras nas quais
a pessoa se defende contra a punição adquirindo comportamento eficaz no mundo
no qual ele vive (como ego), reforçado em parte porque as suscetibilidades do
reforço que são parte de suas características genéticas (como id), e não
punidos por outras pessoas ou por si mesmo (como superego).
Tem sido dito que "forças
inibidoras que se opõem à descarga da tensão são o tema imediato da
psicologia". Se assim é, isso se deve ao fato de que essas forças inibidoras e a
descarga da tensão são figuras de linguagem que se referem à punição ou
reforço, respectivamente.
Tradução de Marco
Antonio Franciotti
In Skinner, B. F. (1974): About Behaviorism, New York :
Vintage Books, pgs. 166-174.
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