O trem atravessava sacolejando os subúrbios de uma aldeia
numa modorrenta manhã de inverno. Um dos vagões estava quase vazio: apenas
algumas mulheres e idosos e um jovem lutador de Artes Marciais. O jovem olhava,
distraído, pela janela, a monotonia das casas sempre iguais e dos arbustos
cobertos de poeira. O frio...
Chegando a uma estação as portas se abriram e, de
repente, a quietude foi rompida por um homem que entrou cambaleando, gritando
com violência palavras sem nexo. Era um homem forte, com roupas de operário.
Estava bêbado e imundo. Aos berros, empurrou uma mulher que carregava um bebê
ao colo e ela caiu sobre uma poltrona vazia. Felizmente nada aconteceu ao bebê.
O operário furioso agarrou a haste de metal no meio do
vagão e tentou arrancá-la. Dava para ver que uma das suas mãos estava ferida e
sangrava. O trem seguiu em frente, com os passageiros paralisados de medo e o
jovem se levantou. O lutador estava em excelente forma física. Treinava oito
horas todos os dias, há quase três anos.
Gostava de lutar e se considerava bom de briga. O
problema é que suas habilidades marciais nunca haviam sido testadas em um
combate de verdade. Os alunos são proibidos de lutar, pois sabem que Aikidô é a
arte da reconciliação.
Aquele cuja mente deseja brigar perdeu o elo com o
universo - Por isso o jovem sempre evitava envolver-se em brigas, mas no fundo
do coração, porém, desejava uma oportunidade legítima em que pudesse salvar os
inocentes, destruindo os culpados.
Chegou o dia! Pensou consigo mesmo. Há pessoas correndo
perigo e se eu não fizer alguma coisa é bem possível que elas acabem se
ferindo. O jovem se levantou e o bêbado percebeu a chance de canalizar sua ira.
Ah! Rugiu ele. Um valentão! Você está precisando de uma lição de boas maneiras! - O jovem lançou-lhe um olhar de desprezo. Pretendia acabar com a sua raça, mas precisava esperar que ele o agredisse primeiro, por isso o provocou de forma insolente.
Ah! Rugiu ele. Um valentão! Você está precisando de uma lição de boas maneiras! - O jovem lançou-lhe um olhar de desprezo. Pretendia acabar com a sua raça, mas precisava esperar que ele o agredisse primeiro, por isso o provocou de forma insolente.
Agora chega! Gritou o bêbado. Você vai levar uma lição. E
se preparou para atacar.
Mas, antes que ele
pudesse se mexer, alguém deu um grito: Hei!
O jovem e o bêbado olharam para um velhinho japonês que estava sentado em um dos bancos. Aquele minúsculo senhor vestia um quimono impecável e devia ter mais de setenta anos... Não deu a menor atenção ao jovem, mas sorriu com alegria para o operário, como se tivesse um importante segredo para lhe contar.
Venha aqui disse o velhinho, num tom coloquial e
amistoso. Venha conversar comigo insistiu, chamando-o com um aceno de mão. O
homenzarrão obedeceu, mas perguntou com aspereza: por que diabos vou conversar
com você?
O velhinho continuou sorrindo. O que você andou bebendo?
Perguntou, com olhar interessado.
Saquê rosnou de volta o operário e não é da sua conta!
Com muita ternura, o velhinho começou a falar da sua
vida, do afeto que sentia pela esposa, das noites que sentavam num velho banco
de madeira, no jardim, um ao lado do outro. Ficamos olhando o pôr-do-sol e
vendo como vai indo o nosso caquizeiro, comentou o velho mestre.
Pouco a pouco o operário foi relaxando e disse: é, é bom.
Eu também gosto de caqui... São deliciosos concordou o velho, sorrindo. E tenho
certeza de que você também tem uma ótima esposa. Não, falou o operário. Minha
esposa morreu.
Suavemente, acompanhando o balanço do trem, aquele
homenzarrão começou a chorar. Eu não tenho esposa, não tenho casa, não tenho
emprego. Eu só tenho vergonha de mim mesmo.
Lágrimas escorriam pelo seu rosto. E o jovem estava lá,
com toda sua inocência juvenil, com toda a sua vontade de tornar o mundo melhor
para se viver, sentindo-se, de repente, o pior dos homens.
O trem chegou à estação e o jovem desceu. Voltou-se para
dar uma última olhada. O operário escarrapachara-se no banco e deitara a cabeça
no colo do velhinho, que afagava com ternura seus cabelos emaranhados e
sebosos.
Enquanto o trem se afastava, o jovem ficou meditando... O
que pretendia resolver pela força foi alcançado com algumas palavras meigas. E
aprendeu, através de uma lição viva, a arte de resolver conflitos.
Terry Dob
Nenhum comentário:
Postar um comentário